Contradições do Desenvolvimento Capitalista no Brasil no Período 64-79
PROF. RICARDO FONSECA RABELO
I. A Herança Populista e a Emergência do Novo Padrão de Acumulação
O processo de desenvolvimento capitalista no Brasil tem, inegàvelmemente, como marco básico o periodo do "Plano de Metas".É nesse periodo que se define uma nova fórmula de relacionamento entre o conjunto do capital nacional e o capital estrangeiro, dando bases para uma nova etapa de crescimento da acumulação, em nivel de integração com a economia mundial maior e mais profundo que o periodo da chamada "era Vargas".
O outro elemento "herdado" desse periodo é a singular vocação do Estado de , a um só tempo, servir de gestor e agente atuante do processo de acumulação.Investimentos pesados no setor de insumos básicos e infra-estrutura foram o suporte indispensável para que os "50 anos em 5" pudessem prosperar.
Finalmente, como o principal problema que os governos pós 64 tentam resolver, está o "padrão de financiamento" do processo.Foi com base em uma estrutura absolutamente precária do capital financeiro e de uma absoluta indigência da maquina tributária estatal que se deu todo o crescimento do periodo 56-61.A "poupança forçada", baseada no imposto inflacionário, foi largamente usada como instrumento inicialmente accessório e depois essencial para sustentar investimentos públicos e privados. Mecanismo primário e inadequado, logo foi inviabilizado quando a marcha do ciclo se inverte e muda a correlação de forças entre as várias classes sociais.
O precário equilibrio de forças existente, que buscava realizar o milagre de acumular capital e, ao mesmo tempo, ter o apoio entusiástico das massas trabalhadoras, logo vai se romper e a crise se transforma em crise do Estado. Do ponto de vista da lógica do processo, o capital ainda demonstrava uma capacidade de avançar, ampliando seu horizonte de atuação e homogeneizando seu perfil.
A crise, se coloca a nú todas as contradições, permitindo que as classes subalternas se colocassem em movimento, serviu, por outro lado, como instrumento primordial de aprofundamento da "oligopolização" da economia.A "queima de capital não produtivo" não atinge igualmente os vários setores do capital, penalizando fortemente o pequeno e o médio, levando de roldão ramos inteiros da indústria.
A política econômica do governo Goulart, consubstanciada no efêmero "Plano Trienal", mostrou-se, apesar discurso populista que a moldou, igualmente perversa para a economia como um todo, deprimindo a atividade economica, tentando desesperadamente conter as reivindicações dos trabalhadores e sufocando a empresa privada nacional. A lógica do capital prevaleceu e o capital monopolista, bàsicamente estrangeiro, mas também o privado nacional e estatal, se tornou hegemônico, deixando para trás sonhos de um capitalismo "não selvagem".
O novo padrão de acumulação, implantado pós-64, vai ter como um dos seus principais esteios a "contenção salarial" que possibilita restaurar a estrutura de produção capitalista e reequilibrar os vários setores do capital.A economia, nesse aspecto, e durante um certo periodo, poderia até ser confundida com uma "economia centralmente planificada".
A contenção dos salários, mantidos sob forte coerção do poder estatal em niveis estáveis e com significativa e progressiva queda do seu poder de compra, significou um elemento fundamental para o relançamento do processo de acumulação. Isso, não há dúvida, possibilitou uma "coexistência pacifica" entre os vários setores do capital Significativamente, o Brasil ostentou, ao longo de duas décadas de Regime militar, as maiores taxas de lucro do continente, resultantes, certamente, desta desigual relação entre lucros e salários.
Além da questão salarial, o Estado colocou em marcha todo um conjunto de instrumentos para reduzir a força de trabalho à sua expressão puramente mercantil cujo preço é o salário.A extinção do estatuto da estabilidade, a nova politica de assistencia social, a extinção de subsidios explicitos ou implicitos e a implantação do regime de caserna nas fábricas, lojas e bancos tem o mesmo sentido geral: liberar o capital destes"falsos gastos da produção". É a continuidade de uma operação de longo prazo, cuja data mais remota é a própria abolição, passando pela CLT e pela nova politica social pós-64.Trata-se de expulsar do custo da reprodução da força de trabalho, aqueles elementos não puramente mercantis.O custo de sua reprodução se torna, assim, globalmente mercantilizado, obtendo o trabalhador do seu salário todos os bens e/ou serviços necessários à sua subsistência.Isso posibilita aos vários setores do capital e , de resto, ao próprio Estado, enfrentar a crise mantendo suas margens de lucro, ainda que com redução de produção e vendas.No caso do Estado, remaneja-se o deficit crônico, reduzindo-o paulatinamente, com base em ampla reforma tributária de que falaremos adiante.
Novo papel é agora atribuido ao Estado.Deve ele se tornar também um elemento do capital, se auto-sustentando com base em tarifas reais, não mais "sociais" como no periodo populista.O setor produtivo estatal continua sendo pensado como elemento fundamental do processo de acumulação, por vários motivos. Em primeiro lugar, porque há setores estratégicos onde não se admite a penetração do capital estrangeiro. Em segundo, porque há setores cujas características-amplo periodo de maturação, baixa margem de lucro, etc não despertam interesses dos investidores, sejam nacionais ou estrangeiros.
Finalmente, deve se considerar aqui a questão do capital estrangeiro nesse processo. É sabido que no periodo da crise 62-67 esteve em jogo a relação da economia brasileira com o capital internacional, em processo acelerado de multinacionalização.A ruptura da ordem constitucional se fez, entre outras justificativas, em nome de um rompimento com a "xenofobia" imperante, e da grande importância que o capital estrangeiro deveria ter no processo de desenvolvimento.Contraditoriamente, no entanto, o capital estrangeiro hesita em direcionar seus investimentos para o Brasil, apesar das novas garantias institucionais existentes. Pelo contrário, o saldo do movimento de capitais autônomos do balanço de pagamentos descresceu, passando de US$92 milhões em 1964 para US$67 milhões em 1965 e para US$43 milhões em 1966(1).A timidez do capital internacional no periodo deve-se a tres fatores básicos. Em primeiro lugar, a crise afetava ao conjunto da economia, e a queda no ritmo da acumulação não poderia deixar de se manifestar também quanto aos investimentos, particularmente os externos.Em segundo lugar, a crise econômica internacional, que se reflete no Sistema Monetário Internacional, dificulta uma retomada do fluxo de investimentos , embora favoreça, no momento seguinte, uma inflexão desse fluxo, concentrado até então no âmbito das economias capitalistas centrais, para as economias da periferia capitalista.Finalmente, a consolidação da "nova ordem" ainda se afigurava problemática, e a instabilidade politica geral da América Latina induzia nos investidores uma cautela especial quanto a novos investimentos.
A operacionalização do novo padrão de acumulação, além disso, passava pela politica de estabilização, cuja marca maior era a ortodoxia no combate à inflação. A estratégia do controle da inflação era o "desenvolvimento com estabilidade de preços a longo prazo", optando claramente pelo gradualismo e não pelas "terapias de choque".A equipe econômica do Governo, escaldada em experiências anteriores, temia pelos possiveis "traumas" advindos de um choque na economia, em especial quanto a empregos e salário.
O Plano de Ação Econômica do Governo(PAEG), materializava estas preocupações. Pretendia-se uma redução gradual da inflação, de 70% em 64 para 25% em 1965 e 15% em 1966. Isso deveria ser obtido a partir de uma redução do Deficit Público, de uma politica monetária restritiva e de uma politica de contenção salarial, onde argumenta-se que se mantem a média do salário real dos últimos 24 meses. Apesar de "gradual" e limitada, a recessão se aprofunda, com grande queda na produção industrial e no PIB.(2)
Além da politica de estabilização, está inscrito na "filosofia" do PAEG a necessidade de Reformas Estruturais, no sentido de tornar o capitalismo brasileiro plenamente integrado pela dinâmica do capital monopolista.Vão nesse sentido que as Reformas Tributária, Financeira e do Comércio Exterior.
A Reforma Tributária alterou a estrutura de receitas e despesas do Estado brasileiro, até esse periodo ainda vinculada ao "Estado de Compromisso" gerado pela Revolução de 30. Desobrigando-se definitivamente(pelo menos até seu fim) com as oligarquias regionais, pode o Estado centralizar a nivel Federal a parte mais importante das receitas de impostos, além de centralizar os recursos da Previdencia Social e fundos como os do FGTS e do PIS.Como resultado dessa Reforma, a participação da receita fiscal no PIB , que ia de 17% a 21% entre 1957 e 64, pulou para 26, 7% em 1968, enquanto o deficit orçamentário da União caiu de 4, 3% do PIB em 63 para 0, 6% em 1969.
Outra Reforma fundamental, levada a cabo a partir de 65, foi a do Sistema Financeiro.Embora não tenha resolvido uma questão básica-a formação de um capital financeiro capaz de intermediar investimentos de longo prazo e de grande porte-, possibilitou a dinamização do processo de financiamento do consumo e de investimentos de médio e curto e prazo, além de dotar o Governo de instrumentos mais adequados de politica monetária, com a criação do Banco Central, do Conselho Monetário Nacional, etc.Além disso, com a adoção do instituto da correção monetária inicialmente para os titulos públicos, depois para os titulos privados, viabilizou a institucionalização do Sistema Financeiro num ambiente ainda marcado pelas altas taxas de inflação.
Finalmente, a nova politica cambial ao buscar uma taxa única, em paridade variável com o dólar e dar todas as facilidades para entrada e saida de divisas, estabelece como estratégia a viabilização de uma "abertura para o exterior" da economia, onde as exportações passam a merecer a maior das atenções.
A adoção do novo padrão de acumulação, essencial para a retomada do processo de crescimento, estava assim consolidada. Os resultados obtidos com a politica econômica do "PAEG" demonstravam que a esteratégia adotada, para o capital, tinha sido sua salvação.A inflação havia sido contida no seu impeto de crescimento, e tinha caido para 38, 8%(IGP-GB).O Balanço de Pagamentos ostentava um superavit de US$68 milhões em 65.O processo havia gerado uma concentração do capital e da renda capaz de sustentar o novo padrão de acumulação, voltado para um mercado interno de altas rendas.
Mas, se o PAEG gerou as pré-condições para a retomada da acumulação, tornou-se um estorvo ao processo a partir de certo ponto.Se foi capaz de esconjurar os "demônios" da inflação e da crise do Estado , não se mostrou ser o santo certo para fazer "milagres".A partir de 67, a politica econômica deveria mudar seu curso, para viabilizar o crescimento econômico.
II.O novo Ciclo Expansivo 68-74:as contradições do Crescimento Acelerado
A politica econômica desenvolvida após 1967, com o "novo governo" Costa e Silva, mantém sua absoluta lealdade com o estilo de desenvolvimento adotado.Mas, do ponto de vista do diagnóstico básico da economia e das medidas a serem implementadas, há algumas divergências importantes.Em primeiro lugar, a inflação deixa de ser considerada como originada da expansão da demanda agregada, para ser considerada como resultante de um aumento dos custos. Com essa análise, e com base na idéia de que o processo inflacionário tinha chegado a um "patamar" razovel, o governo passa a ter uma politica nitidamente expansionista.O controle da inflação, doravante, deve fazer-se nâo à custa do crédito ou dos investimentos, mas com base em um rigoroso controle dos preços, levado a cabo pelo CIP.O Plano Estratégico de Desenvolvimento-P.E.D., desenvolvido pela equipe do ministro Hélio Beltrão, dentro de um plano decenal de Desenvolvimento, faz pesadas criticas à politica anterior, julgada responsavel pela penalização da empresa privada, em proveito da pública, e do erro no diagnóstico do processo inflacionário.Advoga, como metas básicas, a retomada do investimento e a expansão do mercado, liderados pelo investimento das empresas estatais e créditos proporcionados pelo BNDE. Os novos projetos se concentram na área de petroquimica, pesquisa e extração mineral, ind. metal-mecanica, comunicações e agropecuaria.
Outro instrumento utilizado para viabilizar a retomada da acumulação é o estimulo expansão do consumo, via ampliação da capacidade de endividamento das classes médias.No âmbito do sistema financeiro, se cria toda uma gama de instrumentos capazes de operacionalizar o "crédito direto ao consumidor" permitindo um crescimento inicial da produção na indústria de bens de consumo durveis pela via da ocupação da capacidade ociosa.Finalmente, a expansão da indústria da construção civil via BNH-FGTS, vai representar um estimulo fundamental à expansão da economia, na medida que a indústria gera efeitos "para frente " e "para tras" na cadeia de relações interindustrias de grande importância.
Os resultados da politica econômia não se deixam esperar. Os dados abaixo mostram com clareza que há um efetivo relançamento da acumulação, ainda que inicialmente(até 71)montado básicamente na ocupação da capacidade ociosa.
TABELA ITAXA DE CRESCIMENTO ANUAL POR SETORES INDUSTRIAIS
1968 a 1971- MERCADO INTERNO
SETOR INDUSTRIAL |
TAXA |
|
Ind. Material Transporte |
19, 1% |
|
Ind. Material Elétrico |
13, 9% |
|
Indústria Textil |
07, 7% |
|
Ind. Prod. Alimenticios |
07, 5% |
|
Ind. Vestuários e Calçados |
06, 8% |
Nota-se que a indústria, de uma maneira geral, apresentou uma taxa de crescimento significativa, embora com marcantes diferenciações setoriais.O maior crescimento apresentado pelas indústrias de bens de consumo durável mostra um dos aspectos mais perversos do "milagre".Manteve-se, apesar da expansão, uma politica de contenção salarial, significando uma estagnação e até mesmo a contração do mercado para "bens salário"- industria textil, alimenticia, etc.A solução para o crescimento da produção nesses ramos da indústria foi o recurso à exportação."Mais além da estagnação", o capitalismo brasileiro demonstrou seu dinamismo crescendo com base em um seleto mercado de bens de consumo capitalista, mantendo e ampliando a exclusão de uma massa considerável de consumidores de "2a. classe".
TABELA II
TAXA DE CRESCIMENTO QUINQUENAL (68/71)
POR SETORES INDUSTRIAIS -MERCADO EXTERNO
|
SETOR |
TAXA |
IND. VEST. CALÇADOS |
67, 6% |
|
IND. ALIMENTÍCIOS |
45, 3% |
|
IND. TEXTIL |
14, 3% |
|
IND. MAT. TRANSP. |
02, 1% |
|
IND. MAT. ELÉTRICO |
07, 2% |
A conjuntura favorável no mercado mundial favoresceu enormemente este "boom" das exportações brasileiras.O processo de integração econômica e expansão do mercado mundial, iniciado no após guerra, foi ampliado pelo acordo geral de tarifas e comercio(GATT) e pela "multinacionalização" do capital financeiro monopolista internacional.Com base em amplos recursos naturais e na super-exploração da força de trabalho, o Brasil pode usufruir de vantagens comparatiavs para torná-lo um exportador, em proporção crescente, de produtos manufaturados.A partir de da década de 70 as proprias multinacionais não se limitam a ocupar o mercado interno(como na década anterior), mas dirigem suas linhas de produção também para o mercado externo.
Mas foi, sem dúvida, o amplo leque de concessões, subsidios e incentivos fiscais proporcionados pelo Governo, a partir de 1969(Gov. Medici) o fator alavancador das exportações brasileiras no periodo, que cresceram 275% de 67 a 73 ou 24% ao ano, chegando ao valor de US$ 6 199 milhões em 1973(3).Os quadros abaixo ilustram ambos processos.
DIFERENCIAL PREÇO INTERNO/EXTERNO
(INTERNO = 100)
ANO |
ÍNDICE |
||
1967 |
74 |
||
1969 |
69 |
||
1970 |
57 |
CRESCIMENTO DO VALOR DAS EXPORTACÕES INDUSTRIAIS
ANO |
ÍNDICE (%) |
|
1969 |
32, 3% |
|
1970 |
45, 3% |
|
1971 |
25, 7% |
|
1972 |
52, 2% |
A integração da economia brasileira não ficou, no entanto, restrita à esfera da circulação de mercadorias.O processo atingiu o âmago do processo de acumulação na etapa monopolista e imperialista do capitalismo: a exportação de capitais.O amplo excedente de capital dinheiro no mercado mundial, em espacial os "euro-dólares", resultante do processo contraditório de concentração do capital a nivel internacional, foi um elemento fundamental quando se trata do processo de financiamento da expansão.A fragilidade do Departamento de Bens de Produção Interno, incapaz de suprir a demanda de bens de capital gerada pela indústria de bens de consumo, obrigou à busca por fontes externas de financiamento, divisas fundamentais quando a circulação do excedente e do capital passa pelo setor externo da economia(6).Esse processo vai resultar no aprofundamento da dependencia externa do Brasil, com a expansão espantosa da divida externa, do patamar de US$4, 4 bilhões de dólares em 1969, para US$12, 6 bilhões em 1973(7)
A partir de 1973, a economia brasileira apresenta uma grande contradição.De um lado, demonstra ter instaurado, de uma vez por todas, a hegemonia completa do grande capital financeiro monopolista e ampliado à enesésima potencia o grau de integração ( e dependencia) ao mercado e ao capital internacionais. De outro, a economia já demonstra sinais de debilidade, resultado de um processo desquilibrado e pouco harmônico de crescimento-desigual e combinado.O sinal mais evidente de debilidade vem do setor de bens de consumo durável, que não consegue manter o ritmo de crescimento de até então e apresenta niveis decrescentes de crescimento.Ressente-se o setor do fato de não ter encontrado em outros setores-como o setor de bens de produção, corespondente dinamismo capaz de reestimular todo o processo.Por outro lado o próprio Estado já demonstra dificuldades de manter-se na liderança da geração de investimentos, sendo que o setor privado não vai desmonstrar ser um substituto à altura.A taxa de investimento, que tinha chegado a 23% do PIB no auge do "boom", perde dinamismo e cai. Logo, os sintomas de desequilibrios e crise passam a se manifestar, com o agravamento das tensões inflacionárias e a queda da taxa de crescimento do PIB.
III.A Crise do Padrão de Acumulação e a Estratégia do II PND
O periodo que vai de 1974 a 1979, guarda uma caracteristica relevante para o padrão de acumulação adotado em 64, uma vez que o próprio Governo Geisel adota um diagnóstico critico com relação ao processo e se propõe a patrocinar algumas mudança estruturais, com o objetivo de garantir para o Brasil o seu "destino manifesto" de "potencia mundial emergente".
A crise não pode ser atribuida, apenas efeitos de sucessivos "choques do petróleo", que evidentemente agudizam o processo de reversão do ciclo já em marcha.A asfixia virtual no balanço de pagamentos, com a compressão da capacidade para importar e a busca cada vez maior de endividamento externo, acabam por se tornar um verdadeiro pesadelo do qual a economia não logrou se libertar até hoje.
A crise é, claramente, uma crise de superprodução, onde ressaltam os fenômenos de desequilibrio inter-setorial, e de desigualdade nos ritmos de acumulação entre os vários setores.Não há mais possibilidade de dar continuidade a uma economia baseada em DIII(bens de consumo durável). Como já demonstraram vários autores(8), esse é um processo que não mantém seu fôlego, seja porque sua estrutura olipolizada é um obstáculo a reais avanços tecnológicos, seja porque não há como manter um ritmo de concentração da renda tão acentuado por tanto tempo.
O diagnóstico básico dessa "encruzilhada" vivida pelo capitalismo brasileiro nesse periodo parece ter sido absorvido, pelo menos pelos setores responsveis pela elaboração e implementação do II Plano Nacional de Desenvolvimento.As metas básicas do plano são ambiciosas, porque acreditam poder conciliar o ajustamento à crise internacional com um processo de mudança estrutural na economia brasileira, visando torná-la capaz de um "desenvolvimento auto-sustentado".A idéia básica é mudar o eixo principal da acumulação do setor DIII para o setor DI, possibilitando ao pais economia de divisas e maior autonomia no processo de desenvolvimento tecnológico.Paralalelamente anuncia-se uma "politica social", como instrumento de distribuição de renda, deixando-se, intacta, a politica de "contenção" salarial.Finalmente, coloca-se ênfase no desenvolvimento da Empresa Nacional, considerada como "elo fraco" no chamado "tripé" básico em que se montou o novo padrão de acumulação.
Ao longo do periodo, até 1979, essa politica foi aplicada de maneira incoerente e intermitente.Ora se estimula os projetos do Plano, deixando de lado a politica de estabilização, ora se cancela a continuidade dos mesmos.Uma aparente politica de "stop & go", na verdade fruto das grandes contradições que o II PND soube desatar.A crise, no entanto, parece não responder a qualquer instrumento de politica econômica.A inflação sobe constantemente , chegando a 77, 2% em 1978.A Produção industrial cai de 15, 8% de crescimento em 73 para 8, 4% em 1974 e 4, 5% para 1975.O próprio Estado, que acaba ocupando o lugar da empresa nacional na tarefa de "substituir importações " de insumos básicos previstos no II PND, começa a apresentar sinais inequivocos de incapacidade para tal tarefa.
A crise fiscal, advinda da própria perda de ritmo da economia, e o cada vez mais crescente peso da divida interna, torna cada vez mais imperiosa a politica "ortodoxa", de corte nos gastos e aumento nas receitas.Politica essa que é, certamente incompativel com o II PND.
E' talvez do ponto de vista do financiamento do processo de acumulação que a crise se revela com toda sua intensidade.Internamente, o sistema financeiro se mostra cada vez mais deficiente na sua tarefa de intermediação.A existencia de "dois dinheiros", um deteriorando-se com a aceleração da inflação, outro mantido no seu valor pelo mecanismo da correção monetária, realimenta a especulação, que passa a ser a mola mestra do processo de acumulação, no velho esquema de "privatizar lucros e socializar os prejuizos".
Do lado externo, a divida deixa de ser um fator de estimulo da acumulação, para se tornar um grande fardo.A alta constante das taxas de juros, combinada com o excedente de recursos representado pelos "euro-dólares", amplia em estágios cada vez mais elevados a divida externa.Para viabilizar sua continuidade, o governo adota a politica de "estatização da divida", que significa uma transferência das empresas privadas para o setor público, dos ônus dessa mesma divida.Tudo isso gera um mecanismo perverso de realimentação das dividas e, por consequencia, da inflação, que se eleva sem cessar, resistindo a todas tentativas de controle "ortodoxo" da economia.
Assim, apesar de um diagnóstico bàsicamente correto, e de uma série de iniciativas no sentido de colocá-lo em pratica, o II PND se choca com as barreiras objetivas impostas ao proceso de acumulação, tornando o plano um dos instrumentos do aprofundamento da crise(com o recurso ao endividamento) e não de sua superação.
CONCLUSÃO:
O novo padrão de acumulação inaugurado em 64, reproduz em escala ampliada as contradições já existentes, embrionáriamente, no periodo do chamado "processo de substituição de importações".Pelo menos no breve periodo 68-73 a economia brasileira demonstrou ser possivel deslanchar o crescimento acentuando e não atenuando o estilo de concentração de renda que já apresentava anteriormente.
Há que se ressaltar o fato de que, cada vez mais o capitalismo brasileiro apresenta a crise, a recessão, a concentração de renda como sua manifestação de normalidade e o crescimento, o progresso das forças produtivas, uma ou outra iniciativa de processo distributivo, como excessão.O "milagre", o último ciclo expansivo vivido pela economia brasileira, durou apenas 5 anos e para que a acumulação de capital se mostrasse dinâmica, acentuaram-se as contradições inter-setoriais e aprofundaram-se a concentração de renda, a oligopolização e a dependência externa.
NOTAS
(1) SINGER, PAUL- A Crise Do "Milagre"-Interpretação Critica da Economia Brasileira RJ:Paz e Terra, 1989-p.108
(2)
(3) Singer, Paul-op.cit., p.114
(4) Singer, Paul-op.cit., p.116
(5) Singer, Paul-op.cit., p.120
(6) OLIVEIRA, FRANCISCO DE. Padrões de Acumulação, Oligopólios e Estado no Brasil(50-76) in:Oliveira, Francisco de.-A Economia da Dependencia Imperfeita.São Paulo: 1977, GRAAL, p.76.
(7) Singer, Paul-op.cit., p.115
(8) BELUZZO, LUIZ GONZAGA M E TAVARES, MARIA CONCEIÇÃO-" Notas sobre o Processo de Industrialização Recente no Brasil" in:Beluzzo, Luiz Gonzaga M e Coutinho, Renata(org)-Desenvolvimento Capitalista no Brasil-Ensaios sobre a Crise-Vol. I- São Paulo: 1982/83, Brasiliense, p.122.
Copyright © 1997 Ricardo Rabelo